#7 ✍🏻 A desromantização da escrita
Mitos sobre a figura do escritor e algumas coisinhas que aprendi no mercado editorial
COMTEXTO
“Nossa, você escreve livro? Que chique!”
Você já parou para pensar?
Existe uma mística que envolve o ofício da pessoa que escreve, mais especificamente falando, a figura clássica do escritor. Isso, escritor mesmo, terminando com “o”, aquele homem branco rico, no auge dos seus cinquenta e poucos anos que se isola em uma casa de campo à beira de um lago, acompanhado de seu maço de cigarros, uma garrafa de whisky e o barulho da máquina de escrever ao fundo.
Contudo, porém, entretanto, todavia - a realidade está bem - BEEEEM - longe desta descrição que parece habitar em um inconsciente coletivo de quem está “do outro lado”. Na prática, para desmistificar, é bom lembrar que antes da figura “do Escritor”, existe a figura do “Livro”. O livro, este objeto tão simples e tão complexo que já atravessou milênios e continua hoje totalmente à disposição das pessoas que querem contar boas histórias. Será mesmo? 🤔
Compartilho aqui algumas coisinhas que observei me aprofundando no mercado editorial:
Antes da leitura… o trajeto entre escrever um livro x fazer com que as pessoas:
conheçam você
se interessem mais por seu trabalho
entendam que: sim, você escreve!
se conscientizem que você tem efetivamente um livro escrito
finalmente comprem o seu livro
leiam o livro (!!!)
recomendem o livro
enfim
Sim, este é um caminho MUITO mais longo do que parece.
Antes da escrita… A etapa efetivamente da escrita é importantíssima - mas é apenas uma pontinha das fases. Temos uma série de pessoas envolvidas no processo da publicação de um livro: por exemplo, é indispensável contar com profissionais que façam uma boa edição do texto, contratar uma leitura crítica e/ou leitura sensível, passar por revisão ortográfica, diagramação, capista, até a impressão e distribuição do material, fora as estratégias de divulgação pré, durante e pós lançamento 🤯
A escolha da forma de publicação… “Certeza que a Companhia das Letras vai amar meu original, me contratar de cara e vou ganhar milhões - serei o próximo Itamar Vieira Jr”. Aham, confia 😅 É claro que Itamar, Socorro Acioli e tantas outras inspirações, são grandes referências, mas a maioria de nós, meros mortais, não começa publicando livros em editoras tradicionais. O caminho mais trilhado no início é o da autopublicação ou a contratação de editoras prestadoras de serviço (ainda existe a possibilidade de publicar por meio de editais ou concursos, mas não vou me aprofundar neste tópico).
Em todos estes cenários, é importante checar quem são as pessoas por trás dos CNPJ`s - existem muitos casos de processos rolando por quebra contratual (isso quando existe contrato 🆘). Tenho colegas que estão passando por dor de cabeça como pagamento em duplicidade, editora que não faz reimpressão ou até mesmo deixa de responder.
A remuneração… Se você acha que escritores ganham muito dinheiro com a venda de livros, olha só essa “curiosidade”: em publicações tradicionais, o escritor costuma ficar com cerca de 10% do valor unitário da venda de cada livro como pagamento de direito autoral 🥲 Pois é, e este é um valor que nem é depositado instantaneamente ao autor - a não ser que você já esteja conhecido o suficiente para negociar uma cláusula de adiantamento.
Os independentes… Se você pensa que o melhor é partir para uma autopublicação, experimente cuidar sozinho de todas as etapas que envolvem um livro, gerenciando por conta própria os prazos, recursos humanos e financeiros envolvidos. É possível? Sim, mas não é simples.
E tem mais… Em meio a tudo isso, você ainda vai receber propostas como: “tenho uma ideia incrível para você escrever uma história que será o próximo best seller do ano. Sim, você pode fazer no seu tempo livre! Como pagamento, pode ficar em paz, só quero uma partezinha do lucro da venda dos livros”. 🤭
O investimento constante… Se você não vive no eixo sul-sudeste do Brasil, você precisará investir mais que o dobro com passagem, hospedagem e outros custos para participar de eventos literários. Inclusive, olha só o relato da escritora Fernanda Versa sobre a decisão de não participar da cerimônia do Jabuti.
A demanda emocional… É mesmo muito difícil furar a bolha e acessar algumas pessoas. É desafiador lidar com as mudanças de algoritmos e regras das redes sociais. Você vai se achar incapaz quando encarar a folha e não ter ideias. Muitas vezes, você vai desacreditar no seu trabalho. É cansativo. Por isso, lembre: não compare o seu bastidor com o palco de ninguém. Se cuide e fortaleça a sua saúde emocional.
A auto sabotagem… tenho uma oficina de escrita e criação que tem uma parte inteira dedicada a este ponto. O negócio aqui é: não flerte com a auto sabotagem. Se você olhar, ela vai te encarar de volta. Siga com seu objetivo e não escute as vozes de pessoas que não torcem por você:
"Se você não está na arena (...), não estou interessada na sua opinião. (...) Se você está na arquibancada, não se arriscando e apenas falando como eu poderia fazer melhor, não estou de forma alguma interessada no seu feedback" - Brené Brown
Não basta só escrever, tem que divulgar… não tem jeito, o escritor não vai ficar isolado à beira do lago - e olha que, sem estratégia e sem consistência você pode acabar em monólogos. Uma pessoa que só quer vender, vender, vender é bem chata. Ao mesmo tempo, se algum coach ou guru do marketing chegar prometendo fórmulas mágicas que não passam pelo quesito trabalho - desconfie!
ÉÉÉ GATA…
Desculpe a sinceridade. Promete que deixa um comentário me contando se ainda acha chique “esse negócio de escrever livro?”. ÓTIMO - temos um combinado 😉 vamos lá:
Mas então, de onde vem a renda de escritores independentes?
Essa mesmo a pergunta de milhões e não existe uma resposta certa. Penso que existem alternativas, vou compartilhar três pontos que tenho observado:
Plataformas de apoio
Utilizar plataformas que viabilizam planos de assinatura para acessar conteúdos exclusivos e originais. Estamos, agora, dentro de uma: o Substack - mas é claro que existem problemas. Guardei este post que a Aline Valek destacou:
Aliás, a Aline faz um trabalho incrível há anos para além dos muros do Substack, e também utiliza o Apoia-se como uma forma de leitores incentivarem a sua produção intelectual. A gata tem podcast, livro, zine e muito mais conteúdo de valor (aliás, fiz o curso dela sobre News na Domestika antes de entrar aqui) 🫰🏼
Participação em eventos
Feiras e festas culturais são uma alternativa viável para a comercialização de livros auto publicados ou artesanais, zines, marca páginas, quadrinhos e várias outras possibilidades que envolvem o mercado editorial.
Aqui em Sorocaba, é impossível não mencionar o trabalho de instituições como o SESC que promove a Feira de Publicações Independentes, com curadoria da Fran. Este ano foi em agosto - tive a feliz oportunidade de fazer o lançamento da coletânea Gradiente por lá! Temos também a Feira do Beco do Inferno , os eventos universitários, como os da FACENS, mais recentemente, o Festival de Artes Híbridas - conhece mais algum? Me conta nos comentários!
Por isso, busque parceiros na sua cidade para conhecer as alternativas para a comercialização das suas publicações. Crie conexões afetuosas e sinceras com outros escritores locais para trocar figurinhas. Temos um lugar maravilhoso para isso aqui em Sorocaba que é o Clube de Escrita, conduzido e fundado por nossa escritora querida, a Fabi Ferraz.
Serviços que envolvem palavras
Existe também a possibilidade de criar serviços que trabalham o texto em outras frentes. Este foi o jeito que encontrei de me manter dentro deste segmento. Hoje, além de estar em processo de escrita de um livro solo, também presto serviço como ghostwriter, escrevendo livros para outras pessoas.
Além disso, também ofereço serviços no território firme que o jornalismo me proporcionou ao longo de mais de 15 anos na comunicação: media training, manifesto de marca, cobertura jornalística e outros. Para saber mais, escreva para: falecom@gabiescreve.com.br
Para seguir, continue!
O plano por aqui é continuar, mas continuar de forma consciente. Tenho muita clareza sobre cada facilitador que já tive (e ainda tenho) para estar aqui. Infelizmente não nasci herdeira ou BFF de pessoas que estão no poder dos grandes grupos editoriais ou midiáticos 🫠
Repita: você não é melhor ou pior que qualquer pessoa que conheça neste caminho. Ao mesmo tempo, não esqueça: só você é você. Como diz Emicida: “Você não percebeu que você é o único representante do seu sonho na face da Terra? Se isso não fizer você correr, eu não sei o que vai.”.
Siga expressando a sua originalidade - de forma respeitosa, sem grandes alardes. Evite comparações e não deixe de colocar a sua voz no mundo. Mais uma vez: é preciso continuar, com obstinação e paciência. Certamente, continuar é o fator mais importante.
Acredito na escrita em que acolhemos os medos e ativamos a intuição para caminhar com coragem. Termino desejando que tenhamos forças para enfrentar os problemas - que não são poucos - mas que podem sim ser superados. Eu acredito 🫶🏼
PONTO FINAL
Dia 22 de novembro tem lançamento de uma coletânea que participei, o livro de biografias: “Conheça-nos: mulheres negras na vivência e influência sorocaba” - a jornalista Fernanda Ikedo entrevistou a Fran e a Ari, que contaram mais sobre:
Eliane Marques e Luciany Aparecida venceram o Prêmio São Paulo - os livros estiveram na curadoria de leitura dos clubes que frequento em Sorocaba: o Clube da Livraria Nobel, com curadoria da Ari e da Cris; e o Clube do Livro do Sesc, com curadoria da Thati - apostas certeiras de quem tem vasto repertório literário!
Em meio ao cenário da PEC pelo fim da escala 6x1, importantes verificar as denúncias dos roteiristas no audiovisual
O Museu da Língua Portuguesa e sua mostra “Línguas africanas que fazem o Brasil” - curadoria de Tiganá Santana
PS.
Andrea ativou meu desejo de fazer um up na air fryer própria
Adorei ler o texto da Gabi Miranda sobre o filme Ainda Estou Aqui
Marina segue com as melhores dicas para os nossos bichinhos
Cine News: amo uma indicação de filme de terror
Um abraço,
G! 🌀
Querida, obrigada por escancarar as tantas etapas que precisamos percorrer até nosso livro chegar em nossas mãos. Como é difícil! Quem não está neste meio não tem ideia disso tudo. Parece tão lindo sentar e escrever, né? Tão romântico, tão hollywoodiano... Quer dizer, escrever é sim lindo, afinal é uma arte, mas fazer essa arte chegar nas pessoas, aí é que são elas. Sinto-me às vezes como em uma selva densa, abrindo caminho com uma faca de cozinha.
Adoreei! Adorei a sinceridade!